O Famoso Burn-in: Parte 2

Aqueles que acompanham o blog há mais tempo provavelmente se lembrarão do texto que escrevi sobre burn-in. Nele, expus minha opinião na época. Resumidamente, considerava o burn-in apenas uma das hipóteses para explicar uma diferença de percepção que, na verdade, não necessariamente se daria por uma real mudança na sonoridade de um aparelho.

Não consigo conceber como alguém pode ter uma memória clara da sonoridade de um equipamento para notar uma diferença entre ele saindo da caixa e após 300 horas – quanto mais ao nível de detalhes implicado. Afinal, o amaciamento, em teoria, não vai trazer alterações dramáticas.

E a questão é que o efeito é muito vulgarizado. É tido como verdade universal e todos dizem ouvir – até chegar em aberrações como dizer, como já li de um articulista, que o cabo X só tocou da maneira correta após 300 horas. Isso não faz o menor sentido, acho que até para muitos subjetivistas.

Estou escrevendo essa continuação porque consegui realizar um teste que, na minha opinião, deixaria claro se existem ou não mudanças perceptíveis na sonoridade de um equipamento. Comprei um Sennheiser CX300-II especificamente para isso e o deixei tocando ruído rosa num receiver, por 150 horas, em apenas um lado. Ou seja, um lado do fone era praticamente virgem, e o outro já queimado por muitas horas.

Encontrei diferenças audíveis. Mas não se antecipem – há muito o que dizer sobre isso. Vi que o lado sem queima tinha graves mais fortes e menos controlados. No outro, eram mais secos. A única diferença que consegui escutar era essa, mas era audível o suficiente para ser considerada real. Não havia como ser somente uma impressão. Fiz, inclusive, o teste de, com os olhos fechados, “embaralhar” os lados do fone e tentar adivinhar qual era qual: não errei nenhuma vez. Confesso que me surpreendi.

Tive o cuidado, também, de isolar diversas variáveis: testei com várias músicas, muitas delas convertidas para mono, e fiz o teste não só no receiver, mas também no integrado do meu quarto e no iPod. O resultado se manteve.

A questão, no entanto, é que, mesmo sendo perfeitamente audível para mim naquele momento, a diferença era mínima. Era, literalmente, como se um lado estivesse ligeiramente mais alto. Foi preciso bastante atenção para verificar que a mudança estava, de fato, nos graves. Não tenho o menor receio em dizer que só consegui ouvir essa distinção entre os lados porque estava escutando os ao mesmo tempo. Tenho total e absoluta certeza de que não conseguiria notar diferença (ou seja, distinguir com clareza qual lado é qual) se houvesse algo como 2 minutos de diferença entre as audições. Que dirá 300 horas… E, sabendo que a nossa memória auditiva é extremamente deficiente, acho difícil que outras pessoas consigam ser muito diferentes.

Outro detalhe importante: após verificar o resultado do experimento, e ver que eu encontrei diferenças, o fone foi abandonado por um bom tempo. E, ao ouví-lo novamente, não encontrei qualquer contraste entre os canais.

O que pensei é que o que poderia estar acontecendo era o amaciamento como verificado num dos testes mencionados no primeiro texto. Nele, foi constatado por meio de mensurações que o burn-in existe, mas ocorre muito rapidamente e há retrocesso – ou seja, após algum tempo parado, o diafragma volta ao estado inicial.

Tenho, agora, algumas interpretações do resultado. O que constatei, resumidamente, é que há diferença entre os canais após o amaciamento, significativa o suficiente para ser notada numa comparação AxB imediata, mas pequena o suficiente para não ser notada numa comparação com intervalo, mesmo pequeno. E, após deixar o fone parado por um bom tempo, a diferença sumiu.

Para mim, esses resultados, apesar de serem forte evidência a favor da existência do burn-in como efeito audível, estão em dissonância com o relato da maioria das pessoas sobre o teórico efeito que ouviram. Primeiro, há o fato de a distinção entre os canais ter sumido. Provavelmente, isso indica que o lado “queimado” voltou ao seu estado inicial. É curioso que não ouçamos nada a respeito dos audiófilos. Se o burn-in é um efeito audível, essa reversão obrigatoriamente deveria ser. Mais do que isso: as explicações técnicas que vemos para o efeito também são abaladas – lemos explicações do burn-in com alterações na elasticidade do diafragma, na rigidez das aranhas e coisas parecidas, inclusive analogias, por exemplo, a um sapato que é apertado no início e “cede” com o tempo. Se essas são as explicações, a reversão não deveria acontecer. Os componentes mecânicos enfrentariam as forças implicadas em seu funcionamento e atingiriam sua “forma final” de maneira permanente. Não foi o que aconteceu, o que me leva a crer que essas explicações são apenas teóricas e não têm embasamento científico real e comprovado.

Outra questão: é apenas uma hipótese, mas se verificamos que houve reversão, como mostrado no teste citado anteriormente, é possível admitir que as outras constatações desse mesmo teste também são relevantes. E uma delas é que o amaciamento existe, mas ocorre muito rapidamente – em questão de poucas horas. E, se esse for de fato o caso, mais uma vez temos um problema: não são necessárias as centenas de horas para realizar o amaciamento, o que mais uma vez está em desacordo com as teóricas alterações que são ouvidas apenas após as mágicas 300 horas. Isso reforça a minha ideia de que o que é ouvido não é o burn-in. É uma diferença de percepção dada quando o usuário se acostuma à nova sonoridade. Além, é claro, do efeito placebo.

Esse é meu ponto. Não tenho como negar que, ao contrário do que pensava, o burn-in parece existir. Afinal, ouvi diferenças claras entre um lado amaciado e outro virgem de um fone. No entanto, como disse, tenho certeza de que essa diferença não teria como ser ouvida com muito tempo de intervalo entre as audições – quanto mais se estivermos falando de um intervalo de semanas, mesmo que sejam feitas audições durante esse período. Nesse caso, aliás, pode ser ainda mais difícil, já que as melhorias deveriam ser progressivas, tornando mais difícil uma percepção mais clara e distinta das diferenças.

Outra questão é o fato de ter havido reversão – o que deveria ser notado se o burn-in também é. E eu, pelo menos, nunca li nada a respeito. Apesar de ter constatado que o amaciamento parece existir, devido à magnitude das diferenças verificadas e da dissonância entre o que é dito e o que pareceu ocorrer de fato, mantenho boa parte do que disse no texto anterior. Ainda acredito veementemente que o que as pessoas de fato ouvem não é o amaciamento em si: é uma diferença de percepção proveniente do costume à nova sonoridade e o efeito placebo.

Isso estaria em acordo, inclusive, com uma observação feita por um colega químico especializado em materiais que, assim como eu, não acredita no efeito. De acordo com ele, o material do qual são feitos boa parte dos diafragmas de fones dinâmicos, o mylar, está muito mais suscetível a alterações devido à temperatura do que ao tempo de uso. E, mais uma vez, nunca vi nenhum relato que sugerisse uma alteração que acompanhasse a temperatura de um ambiente.

Isso é curioso, e força minha tese de que as pessoas estão muito mais suscetíveis a ouvir aquilo que querem ouvir do que aquilo que realmente acontece.

12 Comments
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12 Comments

  1. Pablo

    19/05/2013 at 15:01

    Muito bom. Me parece que você evoluiu. Me parece também que você ainda não estava convencido totalmente das suas primeiras conclusões, daí seguiu na sua jornada pra provar a si mesmo que estava certo, ou errado. O bom é que todos nós ganhamos com suas dúvidas e seus testes. Eu particularmente acredito no burnin, mas no campo teórico, pois nunca tive saco pra realizar testes e medições. Mas não seria qualquer burnin porém. Acredito no burnin proveniente do amaciamento provocado pela dilatação dos corpos, mormente os que ocorrem nos chamados transdutores, cujo funcionamento mecânico justifica a ocorrência do fenômeno. Burnin de cabos? Hummmm, essa ainda não me pegou não! Parabéns Leo! Excelente texto como sempre.

    1. mindtheheadphone

      20/05/2013 at 16:22

      Muitíssimo obrigado, Pablo!

      Estava devendo esse artigo há um tempo, mas sempre esquecia! E agora, que fiquei um tempinho sem fones pra avaliar, resolvi publicar.

      Um abração!

  2. Melro

    19/05/2013 at 21:05

    Interessante o fato de o “efeito” sumir depois de algum tempo. Me lembrou um fato (ou será também uma lenda?): deixar os equipamentos de mesa esquentarem por algum tempo para iniciar as audições, ou seja, enquanto quentes tocam melhor; mas depois que são desligados voltam ao estado inicial. Esse mundo do áudio é muito louco mesmo!

    1. mindtheheadphone

      20/05/2013 at 16:25

      Pois é Melro. É curioso, e pra mim essa reversão é um dos maiores indicadores de que a situação real é muito diferente daquela citada pela maioria das pessoas.

  3. Pablo Albino

    21/05/2013 at 01:48

    Leonardo, bacana a condução pra uma avaliação objetiva da questão. Uma dúvida: vc testou ambos os lados em ambos os ouvidos, antes e após o burn in?
    Acredito que vc tenha tomado estes cuidados, mas como não foi citado na metodologia vale a pena levantá-los, pois são possíveis vieses do teste.
    Também tenho sérias restrições em aceitar tal efeito em virtude da carência de evidências adequadas que o fundamentem. E estas diferenças certamente são fruto de um efeito de expectativa, que age sobre o ser humano de forma inexorável!
    Um abraço!

    1. mindtheheadphone

      21/05/2013 at 13:10

      Muito obrigado, Pablo!

      Sim, testei ambos os lados em ambos os ouvidos – tanto antes, pra ver se havia alguma diferença de fábrica, quanto depois, pra ver se a diferença se mantinha quando trocava os lados de ouvido. Inclusive, fiz um teste em que “embaralhava” os fones e colocava aleatoriamente, sem ver qual lado era qual. Fiz em torno de 5 tentativas, e em todas acertei imediatamente.

      Concordo com vc; não tenho como dar as costas à evidência que vi, mas na prática acho que ainda posso dizer que isso “não existe”. Afinal, acredito veementemente que o efeito não é audível nas condições propostas pelas pessoas!

      Um abraço!

  4. Carlos Paixao

    09/08/2013 at 17:25

    O papa é pop. O Break In também! Ninguém quer ficar fora da “moda” e entrar em contramão aos “audiófilos”, por isso todos juram de pés juntos ter ouvido o santo danado. Afinal, antes isso que ser julgado um ignorante no campo da audiofilia!

    Saudações, caro Léo 😀

    1. mindtheheadphone

      09/08/2013 at 22:35

      Exatamente, Carlos! Eu estava acompanhando recentemente uma discussão no head-fi sobre MP3 320kbps vs. FLAC. Bizarro…

      Um abração!

  5. Carlos Paixao

    14/08/2013 at 17:48

    À proposito, Leo, encontrei um material que aposto que vai se interessar muito:

    http://xiph.org/~xiphmont/demo/neil-young.html

    Abraço!

    1. mindtheheadphone

      16/08/2013 at 13:35

      Obrigado Carlos, vou ler!

  6. RenanSP

    18/01/2015 at 23:10

    Bem, me parece que o mistério se dissolveu: empiricamente verificou-se que nada se pode concluir, haha. Agora falando sério: no meu entendimento o uso do fone para reproduzir ruido está inerentemente relacionado a exposição dos materiais que o compõe a um rico espectro de frequências excitantes. Como é sabido no estudo da engenharia de materiais vibrações são uma importante contribuição para a indução de fadiga em um material de engenharia. Não há motivo para refutar a hipótese de que os materiais do fone também estão experimentando fadiga mecânica, de maneira que suas propriedades elásticas (e obviamente acústicas) são diretamente afetadas pelo seu uso. Tecnicamente falando mesmo um fone que jamais seja usado também “envelhece”, tendo suas propriedades acúcticas alteradas com o passar do tempo. Quem nunca ouviu a fama dos violinos Stradivarius, cuja madeira experimentou diferentes condições ao longo dos séculos, até chegar naquela que passou a ser tão elogiada?

    Se quiserem chamar o somatório desses efeitos de ‘BURN-IN”, ótimo, nada muda. A dúvida nunca recaiu sobre suas existência, mas sim sobre a capacidade humana de consistentemente identificá-la.
    Minha resposta: depende. Cada fone é feito com diferentes materiais, montados em diferentes arranjos e expostos a diferentes esforços. É possivel que um fone seja usado por 10000 horas e quase não seja afetado pela fadiga, da mesma forma que outro fone pode ter seu diafragma rompido muito antes desse prazo.

    1. mindtheheadphone

      19/01/2015 at 19:36

      Olá, Renan!

      Eu concordo que a ideia de haver fadiga mecânica num componente móvel é plausível, mas ainda assim acho que existem diversos problemas. Um deles é, como vc bem disse, a audibilidade do efeito, que acabou sendo o meu grande ponto no artigo. Não acredito que seja. Não é muito diferente dos Stradivarius, na realidade. Toda essa mística em volta deles acaba indo por terra abaixo em testes mais criteriosos, como pode ser visto aqui e aqui.

      Além disso, mesmo nos mantendo nessa questão mecânica, o assunto ainda é alvo de debates… há, por exemplo, a questão dos microfones. Os microfones dinâmicos têm um diafragma que é basicamente igual a um falante dinâmico de um fone de ouvido, mas buscando na internet vemos que quase nada é mencionado a respeito do burn-in desse tipo de equipamento. Inclusive, cheguei a ver uma matéria que menciona que a Shure tem muitos testes sobre isso, e concluiu que tanto o burn-in de microfones quanto o de in-ears não parece existir.

      Enfim, no final das contas, na verdade concordo com vc que “verificou-se que nada se pode concluir”! 🙂

      Um abraço e obrigado pelo comentário!

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