
INTRODUÇÃO
Desde que entrei no hobby, pude presenciar a ascensão de algumas marcas que mudaram totalmente a cara do mercado: JH Audio, Audez’e, HiFiMAN e Schiit são exemplos óbvios, apesar de os motivos serem variados. Esta última trouxe, com um genial trabalho de marca, amplificadores, DACs e outros periféricos totalmente desenvolvidos e construídos nos Estados Unidos – e, impulsionada pelo patriocínio oferecido ao fórum Head-fi, a marca rapidamente se firmou com os dois pés no hobby e se estabeleceu como referência na relação custo-benefício, conquistando uma fatia de mercado que era dominada por chineses.
Os primeiros amplificadores, o Valhalla (valvulado) e o Asgard (estado-sólido), que ficavam entre os 250 e os 350 dólares, atingiram popularidade extrema. A seguir foi a vez do Lyr, um valvulado de altíssima potência que mira nos planares mais famintos, e o DAC Bifrost.
O que sempre ficou claro, em todos os lançamentos – apesar de um problema com o Asgard, que foi resolvido –, foi que não eram só os profissionais de marketing da Schiit que sabiam muito bem o que estavam fazendo – os engenheiros também. E foi por isso que foram desenvolvidos dois projetos mais pretensiosos: a dupla Gungnir e Mjolnir, ambos custando 750 dólares. O Mjolnir, objeto dessa avaliação, é um amplificador totalmente balanceado com topologia no estilo Circlotron, usando entradas JFET de alta tensão e saídas com MOSFETs, compondo o que a marca batizou de topologia Crossfet.
É uma topologia inusitada que, aparentemente, entrega altíssima potência – incríveis 8W em 32 ohms – sem prejudicar os números de distorção ou de relação sinal-ruído. O Mjolnir é capaz de alimentar desde os fones mais exigentes do mercado com potência de sobra até os full-sizes mais fáceis, como os Denons ou Grados, com uma única configuração de ganho e sem ruído de fundo.
ASPECTOS FÍSICOS E FUNCIONALIDADE
A Schiit sempre optou por uma estética minimalista moderna que me agrada bastante, e o Mjolnir não é exceção. É prateado e inteiramente feito em metal – assim como todos os modelos da marca, desde a econômica dupla Magni e Modi –, com uma construção digna dos mais fervorosos elogios. É bastante sólido e excepcionalmente bem construído. Ele definitivamente aparenta ser um equipamento altamente sofisticado.
Os plugs XLR são da Neutrik e o botão de volume traz bom peso, o que inspira confiança. Minha única ressalva fica por conta dos dois seletores na parte traseira do aparelho: o de força não é exatamente conveniente, porque poderia estar na frente (o que, no entanto, prejudicaria a estética limpa do aparelho), e a do seletor de entradas é frágil demais e não me transmite nenhuma segurança.
Em termos de funcionalidade, ele segue o estilo minimalista. Sua topologia incomum não permite que sejam usadas saídas single-ended, então as únicas opções são um XLR de 4 pinos e um par de XLR 3 pinos, que podem ser usados simultaneamente para alimentar dois fones. Há também uma saída XLR para o uso como pré-amplificador e um par de entradas, uma balanceada e uma single-ended.
O SOM
A Schiit é uma marca que sempre me despertou curiosidade – e quem eu mais queria ouvir era justamente a dupla Gungnir e Mjolnir. Este último principalmente, já que a comparação com o HeadAmp GS-X é promissora. Afinal, são dois equipamentos com propostas muito similares mas em faixas de preço distintas.
Minha primeira impressão na comparação foi, justamente, de similaridade. Nada me saltou aos ouvidos como sendo diferente do que estou acostumado. Ou seja: continuei tendo a sonoridade limpa, coesa e transparente que o HeadAmp me oferece.
A diferença mais imediata fica na potência – o Mjolnir tem mais força que o GS-X, que já é um amplificador potente. Ele empurra tanto o HD800 como o HiFiMAN HE500 (os únicos fones balanceados que possuo) com completa autoridade. Em ambos, parece haver total controle dos fones. O HE500 não é um fone particularmente difícil de ser amplificado, mas não é fácil extrair os melhores graves dele: eles são geralmente gordos, e é preciso de um amplificador competente para que eles não se tornem exageradamente soltos e tenham a definição e a textura que se espera. O GS-X ainda consegue ter uma quantidade um pouco maior de graves, mas no Mjolnir eles são tão precisos quanto.
O Schiit, em compensação, é mais vivo e energético. Os médios e agudos têm mais vigor. Não estou dizendo que se trata de um amplificador agressivo, mas ele definitivamente está mais para o lado da diversão. O GS-X, em contrapartida, me parece mais doce e relaxado.
A impressão que se tem, inclusive, é que o Mjolnir apresenta mais informações e consequentemente tem maiores capacidades em termos de detalhamento. Com o tempo, porém, vê-se que não é bem assim. Em minha opinião, a maior diferença entre os dois amplificadores se resume à seguinte comparação: o Mjolnir é mais energético porque parece ter todo o conteúdo da música de certa forma mais para a frente, o que traz justamente essa impressão de que os detalhes estão mais claros – o HeadAmp, em compensação, distribui toda a informação de uma maneira mais tridimensional e espacial. Ou seja, os instrumentos são mais bem posicionados e têm maior precisão, principalmente, em termos de profundidade. Soam, no final das contas, mais orgânicos. Todos os detalhes estão ali, e mais naturais. Basta querer ouví-los.
O truque na manga do Mjolnir é o quanto ele consegue trazer essa personalidade energética e divertida sem prejudicar a naturalidade e a coerência e, principalmente, sem trazer um resultado fatigante. Com o HD800 essa capacidade fica muito evidente, já que se trata de um fone assustadoramente sensível a essa característica. Ainda prefiro o resultado com o GS-X, mas se alguém descrevesse para mim a personalidade do Mjolnir sem que eu tivesse o ouvido, apostaria que a combinação não seria ideal – a realidade, porém, não é essa. Muito pelo contrário, é um conjunto extremamente competente. É um pareamento tão bem sucedido quanto aquele com o HE500.
CONCLUSÕES
Se tem algo que tirei dessa avaliação, não foi o quanto o GS-X é superior – e sim o quanto o Mjolnir chega perto. As diferenças sobre as quais falei são pequenas e eu tenho certeza de que não conseguiria detectá-las dado um intervalo longo entre as audições de cada amplificador.
No entanto, são diferenças. Não posso negar que o GS-X é mais competente porque, além de ser mais versátil com suas entradas e saídas e capacidade de empurrar até mesmo in-ears altamente sensíveis, me apresenta uma personalidade mais suave, espacial, coerente e principalmente natural – ainda que seja perfeitamente razoável preferir a apresentação mais energética do Mjolnir, mesmo tendo em vista a superioridade do HeadAmp em termos técnicos.
Isso se torna impressionante quando consideramos que o Schiit custa menos de um terço do preço do GS-X MKI e, em termos físicos, não deve nada a ele. Mas não devemos nos esquecer que estamos falando de audiofilia, então é absolutamente natural pagar cada vez mais por menos. Nessa comparação, essa realidade fica escancarada: com 750 dólares compra-se um amplificador de altíssimo nível capaz de empurrar qualquer fone balanceado com extrema competência, e um upgrade longe de grande (em termos puramente objetivos, já que conheço vários que classificariam a diferença entre os dois como enorme), custa mais que o triplo.
Mas não tenho problema nenhum ao admitir que se eu não fosse aspirante a avaliador e precisasse da versatilidade extrema do GS-X, talvez preferisse fazer uma boa economia e viver com o Mjolnir – e provavelmente feliz da vida.
Schiit Mjolnir – US$745,00
- Resposta de frequência: 20Hz-20kHz (- 0.1dB), 2Hz-400kHz (-3dB)
- Potência: 8.0W RMS a 32Ω, 5.0W a 50Ω, 850mW a 300Ω e 425mW a 600Ω
- THD: <0.006%, 20Hz-20kHz @ 1V RMS
- SNR: >104dB
- Impedância de saída: 1.5 ohms
- Entradas: um par de XLR 3 pinos, um par RCA
- Saídas: um XLR de 4 pinos, dois XLR 3 pinos para fones e dois para saídas do pré-amp
Equipamentos Associados
- Headphones: HiFiMAN HE500 e Sennheiser HD800
- DACs: Electrocompaniet ECD-1, Abrahamsen V6.0
15 Comments
Altrunox
10/07/2014 at 23:04Leonardo, como sempre ótima analise.
Achei bem interessante o que você falou desse Schiit, quando disse que ia comparar ao GS-X já pensei: “O Schiit deve parece um shit perto desse GS-X”.
E não é que eu estava enganado, incrível ver como você achou esse Mjolnir está quase no mesmo nível do GS-X custando 1/3 do preço.
Realmente o que você sempre diz sobre investir em vários headphones diferentes em vez de ficar trocando de AMP/DAC deve ser levada em consideração, afinal daria pra comprar uns 3 ótimos headphones com o troco do Mjolnir sobre o GS-X.
mindtheheadphone
10/07/2014 at 23:25Obrigado, Giovani!
Cara, a questão é que, ao meu ver, as pessoas exageram muito na comparação entre amplificadores. Então como eu disse no final da avaliação, tenho certeza absoluta que muitos ouviriam o que eu ouvi e diriam que é uma diferença enorme. Acho que não é nem um pouco difícil achar amplificadores realmente competentes por pouco dinheiro, e por isso eu tinha quase certeza de que a diferença entre o GS-X e o Mjolnir seria pequena, o que se confirmou.
No meu caso, o GS-X vale a pena porque já cheguei ao meu conjunto de fones definitivos, e por isso me interessa ter o melhor amplificador possível – além disso, como também disse na avaliação, é um grupo variado de fones, com necessidades diferentes, e por isso a versatilidade do HeadAmp é necessária.
De toda forma, os dois são excelentes. Os que quiserem o Schiit vão ficar extremamente satisfeitos – mas também acredito que os que decidirem pular alguns degraus e partir para o GS-X também não vão se decepcionar.
Um abraço!
eduardo galvão
10/07/2014 at 23:07Olá Leonardo.
Como sempre, um texto qualificado e esclarecedor. Parabéns!
Tenho uma pergunta periférica, sobre a “shit” e o relacionamento com a head-fi. Deves estar a par da polêmica entre o site e o NwAvGuy, que identificou sérios problemas em um produto da “shit” e por isso foi banido (do head-fi).
A mim, pareceu que os interesses comerciais (head-fi e “shit”) prevaleceram sobre a verdade, o que se procedente configura descrédito para ambos.
O que te parece?
Abraço,
Eduardo
mindtheheadphone
10/07/2014 at 23:28Olá, Eduardo!
Sim, sei dessa história e é uma das grandes polêmicas do head-fi, que mostram que aquilo está muito mais para um espaço comercial. Na introdução cheguei a linkar o vídeo sobre o problema, mas não entrei em mais detalhes porque não está no escopo da avaliação e, ao que parece, o problema foi totalmente resolvido.
Aliás, vale dizer que não gosto da Schiit como empresa porque sei de algumas outras atitudes deles que me deixaram profundamente incomodado. Mas, ao meu ver, isso não afeta a alta qualidade dos produtos oferecidos por eles e nem deve ser algo discutido numa avaliação imparcial.
Um abraço!
kidgafanhoto
11/07/2014 at 04:49Uma coisa que eu nunca entendi são esses cabos/entradas/conexões XLR, qual a diferença para os conectores normais ?
mindtheheadphone
11/07/2014 at 13:02Então Paulo, em fones a coisa é diferente da interconexão entre outros equipamentos balanceados, mas é o seguinte:
Em qualquer alto-falante, há dois pólos de conexão, positivo e negativo (que atua como aterramento). Só que em fones normais, os negativos dos dois lados são juntos no cabo e viram um só para os dois alto-falantes. O fone balanceado separa os dois negativos, e um amplificador balanceado também possui dois canais totalmente independentes, cada um com um positivo e um negativo próprio. O principal resultado disso é a redução drástica do crosstalk, que é a interferência de um canal no outro. Em teoria, a imagem estéreo do fone melhora. Esse artigo aqui explica tudo.
Já na interconexão entre equipamentos (por exemplo, ligar um DAC num amplificador), a história é parecida mas não é a mesma. A conexão comum, RCA, possui o positivo e o negativo, que assim como em fones, também é o terra. A conexão balanceada, por sua vez, separa o negativo do terra, fazendo com que o cabo tenha maior rejeição de interferências eletromagnéticas. A partir de uma determinada metragem, inclusive, é recomendado que apenas a conexão balanceada seja utilizada – caso contrário, a contaminação por EMI pode se tornar um problema sério.
Um abraço!
kidgafanhoto
12/07/2014 at 05:41Entendi, valeu ! E qual a diferença entre um XLR de 4 pinos e um par de XLR 3 pinos ? 😛
mindtheheadphone
12/07/2014 at 18:27Nenhuma na verdade, só a conveniência. No total são 4 condutores necessários. Um par de XLR 3 pinos deixa um pino em cada conector inutilizado, enquanto no XLR 4 pinos os 4 pinos são utilizados. Só isso.
Um abraço!
kidgafanhoto
14/07/2014 at 11:30E o que seria um pré-amplificador ? Seria o mesmo que opamp ? E porque tem gente que odeia amplificador com opamp ? Vlw ^^
mindtheheadphone
14/07/2014 at 17:29Paulo, acho que vale a pena vc gastar um tempinho no Google, aqui mesmo no site tem essa informação no artigo sobre amplificadores e DACs!
Pré-amplificador faz uma primeira manipulação do sinal. É onde existem seletores de entradas, controles de volume, equalizadores e coisas do tipo. O sinal manipulado por ele é então enviado a um power, que é quem amplifica de fato o sinal de modo que ele seja o suficiente para excitar falantes de caixas de som. Veja que o pré e o power podem estar num único aparelho, como em amplificadores integrados e receivers. Mas fones, muitas vezes, já se contentam com o sinal que sai do pré. Op-amp é um amplificador operacional, uma tecnologia de amplificação que pode ser usada num amplificador. Algumas pessoas não gostam porque preferem outras tecnologias (como válvulas), mas é tudo questão de preferência.
Um abraço!
Giuliano
11/07/2014 at 08:41Léo, curiosidade de leitor, como é feito a metodologia de uma análise comparativa? Existe um intervalo, casamento de volumes?
Eu achei interessante ele parecer ser algo muito próximo, ainda mais que ele usa FETS diferente de OpAmps, no qual acredito que o GS-X utilize pelo PCB, o que talvez explique esse tratamento diferente em algumas características sonoras (?) Não sei… Mas achei muito interessante, aliando esse preço.
Muito obrigado pelo review!
mindtheheadphone
11/07/2014 at 13:10Obrigado, Giuliano! Pois é, são topologias totalmente diferentes, mas o interessante é que o objetivo dos dois é o mesmo, e isso se reflete no resultado.
A metodologia geralmente é simples (comparo um ao outro tentando chegar ao menor intervalo possível entre as audições), mas com amplificadores balanceados com conexão XLR 3 pinos é possível fazer algumas coisas diferentes que ajudam bastante. O que pude fazer nessa foi ligar os dois ao mesmo tempo ao meu DAC e ligar um lado de cada fone em cada amplificador e usar gravações em mono. Assim, eu estava ouvindo um amplificador em cada ouvido. Isso permite que eu não só faça um bom casamento de volumes (afinal é só observar quando a voz está perfeitamente no centro, o que é facilmente audível) como também que eu tenha um método de calibragem, por assim dizer. Ou seja, quando detecto alguma diferença nas audições normais de apenas um amplificador, uso esse método para verificar se ela está de fato ali e qual é a sua dimensão.
Um abraço!
Giuliano
14/07/2014 at 15:42Super legal! Obrigado!
mindtheheadphone
14/07/2014 at 17:30🙂
kidgafanhoto
15/07/2014 at 00:54Entendi, vlw Leo, abraço !